Seul boicota memorial japonês da mina de Sado e tensão aumenta
Seul realizou memorial da mina de Sado separado e boicotou a cerimônia do Japão, classificada como “insincera” pelos coreanos
No último domingo (24), as autoridades sul-coreanas não compareceram ao memorial executado pelo governo japonês, próximo à mina de Sado. De acordo com a Coreia do Sul, o boicote da cerimônia se deu em protesto à “insinceridade” de Tóquio à história do local, em que cerca de 1.500 coreanos foram forçados a trabalhar sob o período colonial japonês de 1910 e 1945. Dessa forma, nesta segunda-feira (25), o governo sul-coreano realizou sua própria cerimônia próximo ao local da mina.
Alguns críticos afirmam que este boicote poderá aumentar as disputas históricas em relação ao trabalho forçado e, consequentemente, prejudicar as ações do governo do atual presidente, Yoon Suk Yeol, de promover uma relação mais forte e cooperativa com Tóquio. Nesse sentido, os conflitos diplomáticos com a capital japonesa têm sido raros sob a gestão de Yoon, que priorizou restabelecer os laços com o Japão após anos de denúncias históricas.
No memorial, que aconteceu no Centro de Desenvolvimento de Aikawa na Ilha de Sado, na Prefeitura de Niigata, estavam presentes autoridades japonesas e integrantes de grupos cívicos, sem a presença de qualquer autoridade sul-coreana. Para representar o governo japonês, Akiko Ikuina, vice-ministra parlamentar do Ministério das Relações Exteriores do Japão, foi a responsável pela tarefa.
O motivo do boicote
O embaixador da Coreia do Sul no Japão, Park Chul-hee, e vários descendentes das vítimas na mina de Sado eram esperados para comparecer no evento. Porém, na véspera da cerimônia, o governo sul-coreano anunciou a sua retirada do evento, afirmando diferenças não resolvidas com o Japão. Além disso, afirmou que realizaria sua cerimônia própria, próximo à mina, nesta segunda-feira (25). Assim, nove famílias chegaram ao território japonês, com as despesas cobertas pelo governo sul-coreano.
O protesto, apesar de não ter sido detalhado, pode estar envolvido com a escolha do Japão de enviar Ikuina como a representante do Japão. Sua presença no evento, logo após o anúncio, gerou grande controvérsia devido a uma visita da vice-ministra ao Santuário Yasukuni. O local é visto, pela capital da Coreia do Sul, como de glória à violência e agressão cometida pelo Japão.
Durante seu discurso, Ikuina afirmou que “trabalhadores da Península Coreana trabalharam em condições perigosas e difíceis nas minas, longe de sua terra natal, pensando em suas famílias queridas”. Entretanto, suas palavras não abordaram sobre como o Japão formou os coreanos a realizarem o trabalho. Em nota, o governo japonês expressou seus sentimentos pela ausência das autoridades sul-coreanas.
“Temos trabalhado em cooperação com as autoridades locais que estão organizando o evento e realizamos uma comunicação educada com o governo coreano. É lamentável que a Coreia tenha decidido não comparecer”, declarou a embaixada japonesa em Seul. Além disso, eles afirmaram que Ikuina não visitou o santuário desde que assumiu o cargo. Por outro lado, relatos japoneses dizem que ela esteve no local logo após ser eleita, el 15 de agosto de 2022.
Memorial da mina de Sado
A cerimônia fazia parte de um acordo firmado entre Seul e Tóquio ainda em julho deste ano, durante a designação da mina de Sado como Patrimônio Mundial da UNESCO. A assinatura do governo sul-coreano foi essencial para a inscrição do local e, em troca, o Japão deveria reconhecer a realidade histórica do trabalho forçado coreano, através de uma homenagem anual. Alguns críticos alegaram que a falta de sinceridade do Japão e, consequentemente, o boicote sul-coreano já eram esperados, uma vez que as tensões ao redor da cerimônia estavam se escalando há alguns meses. O porta-voz do Partido Democrático da Coreia (DPK), o deputado Kang Yu-jung, criticou o governo de Yoon por suas concessões diplomáticas ao Japão.
“A cerimônia pretendia honrar nossos ancestrais que sofreram. No entanto, o Japão escolheu enviar uma representante que glorificou agressores de guerra. A administração Yoon, percebendo isso tarde demais, tomou a decisão apressada de se retirar um dia antes do evento“, declarou, afirmando que o evento foi um “desastre diplomático”. Do mesmo modo, grupos cívicos também criticaram a aparente postura pró-japonesa do governo do atual presidente da Coreia do Sul.
Mina de Sado
Desde o período Edo (1603-1868), a mina de Sado era um dos principais centros de extração de ouro e prata do Japão, contribuindo para o crescimento econômico da região. Durante a ocupação japonesa da Coreia, entre 1910 e 1945, a mina se tornou também um local de trabalho forçado, onde aproximadamente 1.500 coreanos foram submetidos a condições extremamente duras e perigosas, realizando tarefas de mineração e extração em circunstâncias precárias e desumanas.
Essa história de exploração e sofrimento tornou-se um ponto sensível entre o Japão e a Coreia, especialmente na medida em que questões de responsabilidade histórica vêm à tona em eventos memoriais e cerimônias anuais em honra às vítimas. Hoje, a Mina de Sado é um Patrimônio Mundial da UNESCO e é vista como um local de memória que suscita tanto o reconhecimento da herança cultural japonesa quanto a necessidade de uma reflexão sobre a história complexa e dolorosa de trabalho forçado durante a ocupação japonesa.
Foto destaque: autoridades sul-coreanas e famílias das vítimas na mina de Sado fazem um minuto de silêncio em cerimônia realizada pelo governo da Coreia do Sul nesta segunda-feira (25). Reprodução/Eugene Hoshiko