Associação Coreana no Brasil se manifesta contra a recente definição da palavra “dorama” pela Academia Brasileira de Letras (ABL)
Na última sexta-feira, a Associação Coreana no Brasil divulgou um manifesto contra a Academia Brasileira de Letras (ABL) após a adição da palavra “dorama” no dicionário da Língua Portuguesa. A Associação considerou a definição preconceituosa e generalizada das produções asiáticas, já que o termo se refere apenas às obras feitas no Japão.
No entanto, a definição citada pela ABL coincide mais com “k-drama”, que se refere exclusivamente aos dramas coreanos. O termo “dorama”, originário do Japão, é amplamente utilizado, de forma incorreta, para se referir a dramas televisivos de diversos países asiáticos. Porém, para a Associação Coreana, a definição da ABL não faz justiça à diversidade e riqueza das produções asiáticas.

O que dizem os especialistas
Augusto Kwon, presidente da associação, argumenta que cada produção possui características únicas e não deveria ser generalizada: “Cada produção tem suas características, peculiaridades e um público específico. Generalizar é confundir as peculiaridades.” Ele compara a situação à culinária: “É como afirmar que toda comida nordestina é baiana”.
Daniela Mazur, pesquisadora do MidiÁsia, grupo da UFF, reforça a preocupação da associação. Ela enfatiza que usar o termo “dorama” de forma generalizada pode fortalecer estereótipos e obscurecer a singularidade das indústrias midiáticas asiáticas.
“O uso no Brasil do termo ‘dorama’, em japonês, generaliza e apaga indústrias midiáticas asiáticas. Esse apagamento fortalece estereótipos e reforça, assim, o orientalismo. O drama de TV é um formato televisivo realizado em diferentes indústrias da mídia no leste e sudeste asiáticos. Chamar um drama sul-coreano, ou k-drama, de ‘dorama’ é mais uma forma de estereotipar um consumo, além de ativar estruturas históricas de raízes imperialistas.”
A controvérsia gira em torno da representatividade e reconhecimento das diversas culturas asiáticas. Enquanto a palavra “dorama” evolui no português brasileiro, a comunidade asiática busca um reconhecimento mais autêntico de suas culturas e produções na mídia nacional.
Yun Jung Im, uma especialista e docente da Universidade de São Paulo (USP) no curso de Letras – Coreano, explica a diferença entre os termos “Dorama” e “Drama”. Ela menciona que “Dorama” é uma versão japonesa adaptada de uma palavra inglesa, ajustada de acordo com as especificidades fonéticas do japonês. Em contraste, a língua coreana pode representar essa palavra como “drama”, que é semelhante à versão em inglês.
“’Dorama’‘é uma palavra niponisada de um termo em inglês, transcrita dessa maneira por força das características fonéticas do silabário japonês, o que não é o caso da escrita coreana, a qual permite transcrevê-la como ‘drama’, igual ao vocábulo em inglês. Ou seja, quando chamamos os seriados coreanos de k-drama, estamos usando o termo em inglês já transcrito para o coreano, e não o termo original do inglês, como pode parecer.”
Yun destaca que, ao se referir a séries coreanas como k-drama, está-se usando a transcrição coreana e não a original em inglês. Além disso, ela também menciona o termo “p-drama” usado para descrever novelas filipinas. A especialista também alerta sobre o risco de simplificação ao rotular todas as produções do sudeste asiático como “doramas”, comparando isso a chamar todos os asiáticos de “japa”. Yun enfatiza a necessidade de cautela, especialmente dada a crescente popularidade dos dramas coreanos nas plataformas de streaming internacionais.
Resposta da ABL
Contudo, a ABL defendeu sua posição e alegou que seu objetivo era apenas refletir o uso corrente da palavra em português. “Não é incomum que, uma vez incorporada a outra língua, a palavra ganhe vida própria, rapidamente se distanciando de seu sentido ou de seu emprego original”, Ricardo Cavaliere, membro da comissão de lexicografia da ABL, em entrevista ao Estadão.

Para fazer a definição da palavra “dorama”, a Academia utilizou como referência apenas o dicionário Oxford de língua inglesa, contudo, a palavra “k-drama” encontrada nele é usada para descrever apenas os dramas coreanos.
A polêmica levanta uma questão sobre como palavras de outras culturas são adaptadas e interpretadas em contextos diferentes. Ricardo Cavaliere, da ABL, aponta que a evolução e adaptação de palavras em novos idiomas é um processo natural. No entanto, o debate mostra que é importante fazer isso com sensibilidade e precisão.
Foto Destaque: k-drama “Uma Advogada Extraórdinária”. Reprodução/Netflix