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Jonghyun, Seunghan e Chen da esquerda à direita

A cultura de cancelamento no K-pop: escândalos e saúde mental

A cultura de cancelamento no K-pop afeta não apenas a carreira dos ídolos, mas também suas vidas pessoais e a indústria

Com a ascensão global do K-pop, os ídolos tornaram-se símbolos de perfeição, mas essa intensa exposição trouxe à tona um fenômeno preocupante: a cultura do cancelamento. Impulsionada pelas redes sociais, essa prática tem causado danos significativos à carreira e ao bem-estar dos artistas. Ela não apenas reflete as expectativas irreais impostas a eles, mas também evidencia a falta de suporte emocional e a influência destrutiva das redes sociais em suas vidas.

Os casos de cancelamento demonstram o impacto devastador que essa dinâmica pode ter sobre a saúde mental dos artistas, destacando a urgência de mudanças na forma como a indústria cuida de seus talentos. Para que o K-pop continue a crescer, é essencial que tanto o público quanto as agências reconheçam que os ídolos são humanos e ofereçam o suporte necessário para que possam evoluir sem serem destruídos por pressões externas.

O K-pop começou a ganhar atenção global em 2012, quando o hit viral “Gangnam Style”, de PSY, levou a música sul-coreana aos holofotes. Desde então, artistas como BTS e BLACKPINK consolidaram a influência da “Onda Hallyu”, impulsionando a cultura coreana ao redor do mundo. Apesar desse sucesso, a indústria do entretenimento sul-coreano, principalmente o K-pop, é marcada por pressões excessivas para manter uma imagem de perfeição. As redes sociais intensificam essa vigilância, tornando qualquer erro um motivo para ataques públicos e, em muitos casos, cancelamento dos artistas.


Da esquerda à direita: PSY, BTS e BLACKPINK
PSY, BTS e BLACKPINK. (foto: reprodução/Jon Kopaloff/Sara Jane/Olens)

As cobranças na perfeição

No universo do K-pop, os ídolos são amplamente vistos como modelos a serem seguidos, com uma imagem cuidadosamente construída pelas empresas, que investem fortemente em suas carreiras. As expectativas sobre eles vão além do talento, abrangendo comportamento exemplar e aparência impecável, com a prioridade da indústria sendo atrair tanto fãs quanto patrocinadores. As rígidas normas de beleza da Coreia do Sul acentuam essa pressão, envolvendo padrões físicos idealizados. Ídolos são julgados constantemente pela aparência, levando muitos a recorrerem à cirurgia plástica e dietas rigorosas para atender a expectativas dos fãs. O crescimento das redes sociais intensificou a vigilância sobre eles, já que estão sob constante julgamento de seus seguidores.

A paixão dos fãs alimenta essa dinâmica. Extremamente dedicados, muitos desenvolvem um senso de propriedade sobre os ídolos, esperando que mantenham uma imagem impecável e evitem comportamentos considerados inadequados, como relacionamentos amorosos. Qualquer desvio pode gerar reações negativas, escândalos e até cancelamentos. Quando um ídolo se envolve em uma controvérsia, a resposta costuma ser rápida e severa, com exigências de desculpas públicas, o que pode resultar em estigmas duradouros e preocupação constante com a reputação. Essa combinação cria um ambiente onde os ídolos enfrentam grande pressão para manter uma imagem perfeita, o que compromete sua saúde mental e bem-estar. A situação levanta questões importantes sobre os impactos dessa cultura de perfeição na vida pessoal dos artistas, e provoca reflexões sobre como a indústria e os fãs podem adotar uma postura mais consciente e empática diante desses desafios.

Escândalos e cancelamentos

A cultura de cancelamento no K-pop já vitimou diversos artistas, com casos que se tornaram representativos. Um dos mais marcantes é o de Jonghyun, integrante do grupo SHINee, conhecido por seu apoio às questões feministas e LGBTQIAP+ nas redes sociais, ele enfrentou críticas por parte do público coreano devido a suas ações em prol das minorias acabou tirando a própria vida em 2017, após lutar contra a depressão. Em sua última carta, o cantor expressou o peso esmagador da pressão pública. Sua irmã, Kim Sodam, criou a Shiny Foundation em 2018 para oferecer apoio psicológico a jovens artistas e prevenir que outros enfrentem o mesmo destino trágico.


Altar de Kim Jonghyun
Altar funébre de Kim Jonghyun. (foto: reprodução/Choi Hyuk)

Outro caso de grande repercussão foi o de Sulli, ex-integrante do f(x). Conhecida por sua franqueza e por desafiar os padrões conservadores da sociedade coreana, ela enfrentou ataques constantes online, principalmente por suas falas sobre direitos e liberdade das mulheres. Embora suas opiniões refletissem sua força, também a tornaram alvo de grupos antifeministas e homens. Apesar disso, Sulli continuou a se pronunciar, determinada a não permitir que a silenciassem. Em 2019, aos 25 anos, Sulli foi encontrada sem vida, levantando discussões sobre o impacto do cyberbullying e a falta de suporte emocional na indústria do K-pop.


A Cultura de Cancelamento no K-pop: escândalos e saúde mental
Última foto postada pela cantora em sua rede social (foto: reprodução/Instagram/@jelly_jilli)

O caso mais recente e que tem gerado grande revolta entre os fãs internacionais é o de Seunghan, que foi retirado do grupo RIIZE devido a um vazamento de imagens de sua vida pessoal antes da estreia. As fotos privadas, que mostravam Seunghan fumando e com sua namorada da época, foram divulgadas, levando o artista a emitir um pedido de desculpas público nas redes sociais do grupo. A partir desse episódio, muitos fãs começaram a pedir sua expulsão. Enquanto isso, a SM Entertainment prometeu tomar medidas legais contra o responsável pelo vazamento das fotos.

Em setembro de 2023, o RIIZE estreou oficialmente com sete membros. No entanto, em novembro do mesmo ano, a agência anunciou que Seunghan entraria em hiato indefinido devido à “pressão mental e responsabilidade” que enfrentava, resultando na interrupção de suas atividades. Assim, o grupo passou a se apresentar com seis integrantes. Quase um ano depois, em outubro de 2024, Seunghan e sua agência confirmaram que ele retornaria às atividades do RIIZE a partir de novembro. A SM Entertainment ressaltou que o ídolo refletiu sobre seu comportamento passado e levou tempo para decidir voltar, em conjunto com os membros e a empresa. Contudo, a decisão gerou descontentamento entre alguns fãs coreanos, que expressaram sua insatisfação nas redes sociais e enviaram flores de funeral à sede da empresa com mensagens como “RIIZE é seis”


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Apenas dois dias após anunciar o retorno de Seunghan, a SM Entertainment comunicou que ele deixaria o grupo permanentemente. Na declaração pública, foi mencionado que o ídolo “expressou seu desejo de deixar o grupo pelo bem dos membros e dos fãs.” Essa decisão causou uma divisão ainda maior entre os fãs. Fãs internacionais, que aguardavam ansiosos o retorno de Seunghan, organizaram protestos online, acusando a SM de ceder à pressão dos fãs coreanos e de desconsiderar a opinião dos fãs internacionais.

Campanhas com caminhões de LED, também enviados à sede da empresa, com frases como “SM, escute os fãs internacionais” e “Fãs internacionais também gastam dinheiro” foram organizadas por fãs ao redor do mundo, incluindo uma ação de fãs brasileiros que enviaram uma mensagem de apoio com o texto: “Brasil com 7Riize. Seunghan, o Brasil sempre estará com você”. Além disso, uma petição online pedindo a volta de Seunghan ao grupo já ultrapassou 284 mil assinaturas.



Em meio ao caso, a saúde mental de Seunghan se tornou uma preocupação central. No X (antigo Twitter), o ex-membro do Day6, eaJ Park, criticou os fãs: “as flores de funeral foram nojentas. As mesmas pessoas que as enviaram serão as primeiras online lamentando o trágico desfecho pelo qual lutaram. Deus me livre que ocorra uma tragédia, mas já estive desse lado antes e foi por pouco. Não consigo nem imaginar o trauma que isso causaria a alguém tão jovem. Qualquer um envolvido com as flores deveria ser julgado por tentativa de homicídio, porque foi isso que aconteceu”.


Comentário de eaJ Park sobre o caso. (Reprodução/ X/ eaJPark)

A SM Entertainment, por sua vez, publicou uma carta no dia 17 de outubro, afirmando: “Nossa empresa tomará medidas legais assim que o dano for confirmado para todos os atos ilegais relacionados a Seunghan.” Essa resposta não agradou aos fãs, que continuam com os boicotes e protestos. O caso de Seunghan não só revela a negligência das empresas em cuidar da saúde mental, mas também levanta preocupações sobre a pressão desproporcional que os fãs coreanos exercem em comparação com os fãs internacionais.

Impacto na saúde mental

Em recente pesquisa feita pela Korean Magazine Br, que entrevistou 193 fãs de K-pop, revelou que 99% dos respondentes acreditam que a pressão para manter uma imagem perfeita afeta diretamente a vida pessoal dos ídolos. Os casos de Jonghyun e Sulli foram amplamente citados como exemplos extremos do impacto da cultura de cancelamento. Além disso, 100% dos entrevistados afirmaram que o cancelamento tem impacto severo na saúde mental dos artistas, apontando o cyberbullying como um dos maiores vilões desse cenário.



A maioria dos entrevistados também concorda que as agências falham em fornecer apoio psicológico adequado. A indústria, ao priorizar o lucro e a imagem pública dos ídolos, muitas vezes negligencia o bem-estar emocional de seus artistas, resultando em casos de depressão, ansiedade e até suicídio. Os fãs sugerem que as agências implementem acompanhamento terapêutico regular e que medidas mais firmes sejam tomadas para proteger os ídolos de ataques online.

Mídias sociais na ampliação do cancelamento

Mais da metade dos participantes da pesquisa destacou o papel das redes sociais na amplificação da cultura de cancelamento. Plataformas como Twitter e Instagram permitem o compartilhamento rápido de boatos e notícias, muitas vezes sem qualquer confirmação, o que alimenta o ódio e contribui para a destruição da imagem pública dos ídolos. Fãs sugerem que as empresas de entretenimento tomem medidas legais mais rígidas contra o cyberbullying e a disseminação de fake news. Casos recentes, como o de Seunghan, mostram como a cultura de cancelamento pode atingir artistas por comportamentos ocorridos antes mesmo de suas carreiras começarem. Esse fenômeno evidencia o poder destrutivo das redes sociais, onde informações são disseminadas sem contexto e rapidamente amplificadas.

Indústria Coreana x Indústria Ocidental

A pressão exercida sobre os ídolos de K-pop difere significativamente daquela enfrentada por artistas ocidentais. No K-pop, os escândalos e cancelamentos geralmente estão relacionados a questões pessoais, como relacionamentos amorosos ou comportamentos que desagradam ao público, como fumar ou expressar opiniões. Na indústria ocidental, embora artistas também enfrentem cancelamentos, o foco tende a ser em escândalos mais graves, geralmente relacionados a crimes ou comportamento ilegal, como abuso de substâncias ou agressões. Nos Estados Unidos e em outras indústrias ocidentais, os artistas têm mais liberdade para gerenciar suas vidas pessoais sem que isso afete profundamente suas carreiras o que demonstra uma abordagem mais empática em relação às vidas pessoais das celebridades.

Em contraste, no K-pop, ídolos que se envolvem em escândalos, mesmo que sejam relacionados à vida privada, como o anúncio de casamento de Chen, do EXO, podem enfrentar cancelamento imediato e reações severas por parte dos fãs coreanos. A sociedade sul-coreana impõe expectativas culturais muito mais rígidas, exigindo perfeição não apenas no palco, mas também fora dele. Qualquer deslize pode ser visto como uma falha de caráter e resultar em consequências permanentes.

Outro fator que agrava a diferença entre as duas indústrias é o papel da mídia. Na Coreia do Sul, a mídia e as redes sociais tratam escândalos menores com uma severidade desproporcional, ampliando boatos e reforçando a cultura de cancelamento. No Ocidente, apesar de também haver uma amplificação dos escândalos, há uma percepção mais clara de que os artistas têm o direito à privacidade, e a recuperação de suas carreiras é mais provável após polêmicas.

Soluções e medidas propostas

Para conter os efeitos nocivos da cultura de cancelamento, os fãs sugerem uma série de medidas que poderiam ser implementadas tanto pelas agências quanto pelo governo sul-coreano. Entre as principais recomendações estão a criação de programas obrigatórios de suporte psicológico para os ídolos, com acompanhamento regular de profissionais especializados em saúde mental. Essas iniciativas poderiam ser incentivadas por meio de políticas públicas que oferecessem incentivos fiscais às empresas que implementassem tais programas.

Além disso, é necessário reforçar as leis de combate ao cyberbullying. Embora a Coreia do Sul já possua legislações específicas, como o Art. 70, que trata de crimes de difamação online, a aplicação dessas leis ainda é insuficiente para conter a onda de ódio direcionada aos ídolos. Uma solução proposta seria a criação de uma agência governamental especializada em monitorar e reprimir ataques nas redes sociais, além de promover campanhas públicas de conscientização sobre os impactos negativos do cyberbullying. Por fim, a regulamentação da indústria do entretenimento também foi apontada como uma medida crucial. Transparência nos contratos entre ídolos e agências, e uma limitação do controle que as empresas exercem sobre a vida pessoal dos artistas, são passos importantes para garantir que os ídolos tenham mais liberdade e suporte em suas carreiras.

Foto destaque: Jonghyun, Seunghan e Chen. Reprodução/SM Entertainment

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